quinta-feira, 5 de junho de 2008

pequenos mistérios cotidianos

--> Na minha casa tem gatos. A fêmea comporta-se lindamente, só é um pouco excessivamente melosa, como toda fêmea é. O macho é imprevisível, incompreensível e burro. Por mais que a caixa de areia esteja limpa e cheirosinha esperando pelo supremo batismo da sua urina felina, vez que outra dá uma incontinência no bichano e ele esvazia o que parece um caminhão-pipa repleto em cima dos estofados ou da minha cama. Já mostrei para ele o quanto isso me desagrada, sendo a última manifestação de desaprovação um exílio de três dias na sacada da frente. Não adianta, quando lhe dá na veneta o ser peludo vem e lava o estofado mais próximo com sua rica essência. Eu não o amo mais por mijar tudo, pelo contrário, eu o amo menos quando ele faz isso e não tenho vergonha de admitir o fato. Ele continua fazendo. Deve ser irresistível fazer essa mijalança, ou talvez seja o que sempre desconfiei, que amor demais é uma coisa que sufoca as criaturas.

--> Comprei esmalte para unhas. Dois. Em cores que me fascinaram. O detalhe é que nunca faço as unhas. Mas cada vez mais tenho olhado para elas e desejado que estivessem arrumadas e pintadas em cores que me fascinassem. Assim, para dar aqueles cinco segundos de contentamento entre uma coisa e outra, quando se fitam as mãos - hoje em dia não dá tempo quase nem de olhar para a cara do outro quanto mais de fitar as próprias mãos, isso é bem coisa sinhazinha do século XIX.

--> Aos poucos vou descobrindo que eu, assim como quase todas as mulheres da minha geração, vai ficando mais bonita na casa dos trinta. Mas a verdade a esse respeito não é uma elegia de Balzac e sim o fato de que ficando mais velhas apercebemo-nos da paulatina iminência da decadência e passamos a cuidar/preservar/curtir o que temos, enquanto ainda temos.

Isso não impede que eu tenha saudade do sentimento dos early 20's, quando me sentia bem sem uma mínima maquiagem corretiva, sem tirar sobrancelhas, sem depilação, sem sequer pentear o cabelo.

A verdade é que eu me sentia linda sendo Mowgli. Embora não fosse.

--> Você já viu uma pessoa secando o sofá com secador de cabelo? Effetto Gatto.

Se quiser usar secador de cabelo para secar sofá ou qualquer outra coisa, recomendo os secadores Taiff. São profissionais, o que equivale dizer que não queimam, ou que demoram uma eternidade para queimar.

--> As pessoas gritam, berram e cantam na frente do meu edifício às quatro da manhã. Embora eu tenha um sono de pedra, elas conseguem me acordar. Dá de tudo, é muito variado, sincrético, multiétnico. Dá gente cantando pro Exu Caveira na parada de ônibus às quatro da manhã - com o detalhe de que só passa um único ônibus na minha rua, que não circula entre meia-noite e seis da manhã. Surge gente se estapeando com o suposto ser amado e urrando baixarias e uivando de dor (quando os tapas atingem o alvo) às quatro da manhã. Aparece um pessoal combinando, aos gritos, eventos os mais variados, desde assaltos e pungas até birinaite (para a naite seguinte, por supuesto) às quatro da manhã. E tem quem só cante, mal, muito alto e desafinando, às quatro da manhã.

O peculiar é que os arroubos vocais começam a acontecer na esquina da rua, bem pertinho de onde meu prédio está, e vai perdendo a força após passar pela fachada do meu edifício.

Devo estar morando sobre um antigo cemitério indígena.

--> Por que todo mundo tem pelo menos um vizinho super-super louco? Louco mesmo. Surtado. Por quê?

Um comentário:

Ana Roberta disse...

você tem um vizinho super-super-louco-surtado-mesmo porque, no caso, a pessoa super-super-louca-surtada-mesmo do prédio não é você. e todos os prédios precisam ter alguém super-super-louco-surtado-mesmo. compreende?