quinta-feira, 26 de junho de 2008

33 cravos na cruz (and counting)

Nasci às 22h, trinta e três anos atrás. Para cada ano que vivi, uma cicatriz na alma. É, sou dramalhona.

domingo, 22 de junho de 2008

momento Halls from Hell

Às vezes a realidade vem e, não contente em esbofetear a orelha, dá de brinde cuspida no olho, bica na costela, voleio na nuca e tapa na cara.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

pacto

Então fica combinado assim: você não pergunta e eu nunca responderei. Eu não lhe contarei de todas as vezes em que os seus atos, ações e omissões me magoaram absurdamente e de como me senti terrivelmente abandonada por toda uma vida, desejando entender o que havia por trás daquilo tudo, e você passará a se comportar com gentil distância e fria polidez. Você não dirá mais nenhuma das suas espinhosas palavras que estalam como chicotes, não fará nenhum questionamento, nem mesmo me fitará com seu permanente olhar inquisitivo e, em troca, eu me compromento a manter tudo aquilo que sou - e que você não sabe, nunca soube, não quis saber - a uma distância segura da sua agora embotada capacidade de percepção. Andaremos então cada vez mais juntas, nesse estranho período que combinará o limiar da minha meia-idade com os primeiros sinais da sua senilidade. Eu não farei nenhuma exigência, meus lábios não mais se abrirão para qualquer reclamação. Eu lhe darei sorrisos, tão sinceros e abertos quando possível. Em troca, o rosto no espelho será cada vez mais o seu, e assim nunca mais me sentirei sozinha.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

bidimensionalidade unidimensional

Ela tinha uma estranha empatia por todos os bichos fofinhos e bonecos simpáticos que essa ciência fundamental à vida humana, a propaganda, criava para divulgar produtos e, principalmente, convencer o incauto de que ele precisava desesperadamente do que era divulgado. Sentia-se entre enternecida e constrangida ao fitar, no verso da conta de luz, o bonequinho simpático e sorridente vestido com o uniforme da companhia de energia elétrica, alertando afavelmente sobre os riscos do mau uso da eletricidade. Tinha uma queda toda especial pelo boneco careca e bonachão que convidava as pessoas a jogar na loteria e, quem sabe, ter dinheiro para realizar doces e gentis sonhos que envolviam a cálida existência de uma família feliz. Na sua cabeça, o boneco ilustrando um empregado da companhia de energia elétrica tinha toda a aparência de alguém que era feliz com seu trabalho, que era condignamente remunerado e que ia contente, ao final de cada jornada cumprida, para um lar amoroso onde seria alimentado e nutrido de todas as boas e simples coisas que os humanos pateticamente necessitam. Para ela, o faceiro boneco careca da lotérica parecia um bem-amado marido e pai de família, uma pessoa gentil rodeada de carinho por todos os lados, cujos olhos de papel fitavam seu íntimo e pareciam convidá-la, 'venha, se você jogar, talvez você ganhe, talvez o amor aconteça, talvez as pessoas sorriam umas às outras com afeto verdadeiro, talvez isso tudo afugente esse corvo que rói incessantemente esse fígado que se regenera todos os dias e que lhe consome em dor e desespero'. Por alguns instantes ela era toda aturdimento, como podia ser assaltada por essas idéias inverossímeis que não reconhecia como suas, logo ela, que conhecera desde cedo, ávida, toda a bile da existência? Tendo mergulhado no poço escuro sem fundo das sombras da metade negra da condição humana e se familiarizado com diversas espécies de farpas, amputações e agonias, os ecos que as imagens meigas lhe evocavam não eram, em absoluto, confortantes. Pois que há muito já sabia que os empregados de qualquer lugar, inclusive da companhia de energia elétrica, não eram felizes com o seu trabalho, recebiam um pagamento muito aquém do merecido e jamais ouviam uma palavra de encorajamento. Iam longe os tempos em que descobrira que homens e mulheres não são bem-amados esposos, pais e mães de família, são apenas homens e mulheres cheios de desejos que ardem e lhes consomem, que questionam todo o tempo se deveriam ir ou se deveriam ficar e se a escolha feita foi mesmo a mais acertada - e, enquanto questionam, deixam de perceber e de fruir a eventual riqueza, ainda que pequena, que possuem.

Ela mesma queria ter a possibilidade de se doar o tanto que seus sentimentos lhe pediam. De poder ajudar qualquer pessoa que lhe procurasse, a qualquer hora e sem nenhuma reserva. E assim colher o sorriso aberto, sincero, proveniente da realização da pessoa auxiliada. Mas isso não era viável, pois as pessoas muitas vezes não querem auxílio: elas querem salvação. Dizem-lhe que querem aprender a andar, mas em verdade desejam é que você as carregue no colo, pelo maior tempo possível. Além disso, foi percebendo que a recíproca não é - nem nunca foi - verdadeira. Aqueles que conseguira auxiliar não tinham como auxiliar de volta. Fosse porque estavam muito ocupados com suas coisas - lembre-se, foram pessoas que precisaram de auxílio - ou porque não eram capazes de dar, somente de receber, fato é que eles não podiam. De forma que ela descobriu que a única mão amiga com que podia sempre contar era aquela que estava no final do seu próprio braço. E descobriu também que, se a única mão com que podia sempre contar era aquela ao final de seu braço, era fundamental mantê-la firme, forte e descansada, de sorte que estivesse em plenas condições quando dela precisasse. Assim, calou os sentimentos e procurou mostrar às pessoas sua nova descoberta, a própria mão da pessoa ao final do próprio braço dela, e dizer-lhes das maravilhas que aquela mão - aquela, e não a sua - poderia fazer pelo próprio dono. As pessoas retiravam-se, ofendidas, acreditando-se ludibriadas. E assim ela viu que os sorrisos de muitos eram meros expedientes para conseguir o máximo em troca de um mínimo esforço.

Andando pelas ruas, ela não entendia essa supervalorização de supostas virtudes tão divorciadas do espírito humano. Por que a celebração da generosidade, da solidariedade, do amor e da amizade, se o instinto humano é por natureza egoísta, mesquinho, invejoso, cruel? O que explicaria - se é que explicaria - a necessidade de manter uma eterna disputa interna entre desejo e virtude? Por que o sexo é dissociado do amor? E quem disse que amor é bom? Por que os relacionamentos de afeto são recheados de inveja, competição e ressentimentos? Por que, se cada um é único, todos se comparam uns com os outros? E, principalmente, por que, se sabia que tudo isso é tão abominável, por que ela não conseguia escapar a essa dualidade, que consome o que é humano desde a aurora da sua existência?

Lembrou-se de uma parábola contada quando era menina. Da existência de dois lugares distintos, sendo que em ambos havia era um círculo de pessoas, munidas de uma colher extremamente longa, em torno de uma grande pilha de arroz. Em um lugar, as pessoas enchiam as colheres extremamente longas e se alimentavam umas às outras, em total reciprocidade - e isso seria O Bom. No outro lugar, as pessoas insistiam em utilizar as colheres extremamente longas para pegar o arroz e levarem às suas próprias bocas, no que não tinham nenhum êxito, pois, em vista do comprimento da colher, que exigia grande movimentação no servir e levar à própria boca, o arroz caía todo da parte côncava, pelo que as pessoas todas permaneciam famintas, embora tivessem a grande pilha de arroz e o instrumento para se alimentarem - e isso seria O Ruim. E pensou que O Bom não era inteiramente bom, já que, em última análise, a sobrevivência dependia da gentileza de estranhos, da mesma forma que O Ruim não era de todo ruim, pois ao menos as pessoas ali tinham iniciativa. Concluiu que muitas vezes o erro está em se esperar demais de uma fórmula, uma convenção, um instrumento: não havia problema com as pessoas ou com o arroz, o problema era a colher. Decidiu que não usaria colheres e pegaria o arroz com as mãos nuas, aquelas que ficam ao final dos seus braços e nas quais pode sempre confiar. Dessa forma, jamais sentiria fome novamente.

Porém, continua sentindo o coração pateticamente apertado quando passa por uma lotérica ou recebe a conta de luz.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

pequenos mistérios cotidianos

--> Na minha casa tem gatos. A fêmea comporta-se lindamente, só é um pouco excessivamente melosa, como toda fêmea é. O macho é imprevisível, incompreensível e burro. Por mais que a caixa de areia esteja limpa e cheirosinha esperando pelo supremo batismo da sua urina felina, vez que outra dá uma incontinência no bichano e ele esvazia o que parece um caminhão-pipa repleto em cima dos estofados ou da minha cama. Já mostrei para ele o quanto isso me desagrada, sendo a última manifestação de desaprovação um exílio de três dias na sacada da frente. Não adianta, quando lhe dá na veneta o ser peludo vem e lava o estofado mais próximo com sua rica essência. Eu não o amo mais por mijar tudo, pelo contrário, eu o amo menos quando ele faz isso e não tenho vergonha de admitir o fato. Ele continua fazendo. Deve ser irresistível fazer essa mijalança, ou talvez seja o que sempre desconfiei, que amor demais é uma coisa que sufoca as criaturas.

--> Comprei esmalte para unhas. Dois. Em cores que me fascinaram. O detalhe é que nunca faço as unhas. Mas cada vez mais tenho olhado para elas e desejado que estivessem arrumadas e pintadas em cores que me fascinassem. Assim, para dar aqueles cinco segundos de contentamento entre uma coisa e outra, quando se fitam as mãos - hoje em dia não dá tempo quase nem de olhar para a cara do outro quanto mais de fitar as próprias mãos, isso é bem coisa sinhazinha do século XIX.

--> Aos poucos vou descobrindo que eu, assim como quase todas as mulheres da minha geração, vai ficando mais bonita na casa dos trinta. Mas a verdade a esse respeito não é uma elegia de Balzac e sim o fato de que ficando mais velhas apercebemo-nos da paulatina iminência da decadência e passamos a cuidar/preservar/curtir o que temos, enquanto ainda temos.

Isso não impede que eu tenha saudade do sentimento dos early 20's, quando me sentia bem sem uma mínima maquiagem corretiva, sem tirar sobrancelhas, sem depilação, sem sequer pentear o cabelo.

A verdade é que eu me sentia linda sendo Mowgli. Embora não fosse.

--> Você já viu uma pessoa secando o sofá com secador de cabelo? Effetto Gatto.

Se quiser usar secador de cabelo para secar sofá ou qualquer outra coisa, recomendo os secadores Taiff. São profissionais, o que equivale dizer que não queimam, ou que demoram uma eternidade para queimar.

--> As pessoas gritam, berram e cantam na frente do meu edifício às quatro da manhã. Embora eu tenha um sono de pedra, elas conseguem me acordar. Dá de tudo, é muito variado, sincrético, multiétnico. Dá gente cantando pro Exu Caveira na parada de ônibus às quatro da manhã - com o detalhe de que só passa um único ônibus na minha rua, que não circula entre meia-noite e seis da manhã. Surge gente se estapeando com o suposto ser amado e urrando baixarias e uivando de dor (quando os tapas atingem o alvo) às quatro da manhã. Aparece um pessoal combinando, aos gritos, eventos os mais variados, desde assaltos e pungas até birinaite (para a naite seguinte, por supuesto) às quatro da manhã. E tem quem só cante, mal, muito alto e desafinando, às quatro da manhã.

O peculiar é que os arroubos vocais começam a acontecer na esquina da rua, bem pertinho de onde meu prédio está, e vai perdendo a força após passar pela fachada do meu edifício.

Devo estar morando sobre um antigo cemitério indígena.

--> Por que todo mundo tem pelo menos um vizinho super-super louco? Louco mesmo. Surtado. Por quê?

quarta-feira, 4 de junho de 2008

get ready for this

Eiii, então, que saudade(?) desse maravilhoso(??) painel do blogspot. Não o via desde que era um dashboard, lá no finado blog - saiba você ou não o que é um dashboard do blogspot. Isso quer dizer "faz tempo".

Ok, vamos jogar limpo nisso aqui. Todo mundo que lê alguma coisa, seja a coisa que for, espera por algo. Deixemos claro o que você pode - e, principalmente, o que não pode - esperar desse local e desta que vos escreve.

Primeiro, não vou falar da minha vidinha no melhor estilo diarião-old-weblog-school. Sei que as pessoas andam muito roots ultimamente, usando bigodes, galochas, xadrez argyle e afirmando que o bacana do blog é exatamente o estilo diarião. Só que, seguintchi beibe, não rola. Meu umbigo não rende tanto assunto e é muito meu. De mods que não espere encontrar uma linha de texto 'querido diário', porque isso não vai acontecer.

Segundo, o ambiente (embora virtual) fala. Dá só uma olhada nessa figurinha aí no topo da página - de H.R. Geiger, a quem vergonhosamente não dei o crédito na imagem, providenciaremos - e me diz, o que você acha que pode encontrar aqui? Flores? Receitas de bolo? Sonetos de amor? Sexo tântrico? Não, né. Aqui é um lugar sem misericórdia. No country for old men. Se você aprecia o estado nefasto do ser humano, ou se ao menos suporta conviver com ele, seja bem-vindo. Do contrário, prossiga por sua conta e risco.

Terceiro, já sou naturalmente sombria e estou passando por uma fase sombria super-plus. Aos poucos, estou descobrindo que aquilo que parecia ser a luz no fim do túnel não passava de um reflexo atenuado e patético da minha ingênua e idealística esperança. Assim, o que vier aqui estará permeado - às vezes, encharcado e pingando - desse momento espiritual tão bonito, aquele em que você, até então pensando que 'tudo bem, quando chegar no fundo do poço dou impulso e volto à tona', descobre que o poço não tem fundo.

Quarta, e última - cabalístico, não? - eu não discuto na vida real. Muito menos na vida virtual. O tempo vem fazendo de mim uma mulher de poucas e definitivas ações e muito poucas, e mais definitivas ainda, palavras. O blog tem comentários porque gosto de feedback. Mas, na medida em que o feedback for prestado por gente imprestável, ele deixa de me interessar e perde sua razão de ser. Em outras palavras, se você quiser destilar ódio nos comentários, poderei ignorar e mais ainda poderei apagar. Só não espere resposta. Porque, da mesma forma como o poço não tem fundo e não tem luz no fim do túnel, aqui nesse lugar não tem eco. De nenhum tipo.