quarta-feira, 30 de julho de 2008

chuva dispersa nonsense

Fui num aniversário. Chovia incessantemente. O aniversariante e mais duas pessoas, eu era a terceira. Na mesa, dois conversando e dois calados. Percebo que a minha eremitice está me tornando inapta para o convívio social. Mas quando paro e vejo o que é o convívio social, continuo sem vontade de fazê-lo.
Sou esquisita. Mas com consciência. Talvez exatamente pela consciência é que eu seja esquisita.


Coloquei hoje uma roupa de baixo bem maior que não usava porque ficava desapontada de tirar a roupa de cima e ver aquela roupa de baixo por baixo. Por acaso despi a calça e olhei minha imagem de relance no espelho. Percebi que a região glútea não está desabada ou desabando como pensei que estivesse, pelo contrário. Agora não sei se isso foi ilusão de ótica ou se é fato. A roupa de baixo em questão é aquelas lingeries tipo short que, caso você tenha volume nos glúteos como eu, ficarão umas bochechas aparecendo por baixo da barra, como quem diz 'oi, você por aqui!' Pois é, eu vi as bochechas, elas me deram o seu 'oi!' bem-humorado de bochechas gluteais sorridentes e eu fiquei algo supresa porque a degradação do corpo não era tanta quanto eu imaginava.


Quando a coisa é pior do que se imagina, adotam-se medidas drásticas de emergência. OK! Conheço esse riscado!
Quando a coisa é melhor do que se imagina, o que se faz? O que se faz? Como faz?


Talvez a vida esteja difícil porque não é tão ruim quanto estou imaginando.
Eu sou uma pessoa de paradoxos. Um jeito sutil e fofinho de dizer quer sou uma pessoa que complica.


O gato Pantufo gosta de me acompanhar ao toalete. Ele aprecia me observar enquanto faço os usos mais íntimos que uma pessoa pode fazer do seu toalete. Curiosamente, não fico constrangida pelos enormes olhos corújicos do gato Pantufo. Compreendo ele. Eu também fico olhando quando ele vai à caixa de areia para ver se ele não vai fazer o seu clássico reposicionamento que consiste em colocar para fora da caixa a parte do corpo que vai fazer a caca, resultando numa caca fora da caixa e em profunda ansiedade para o gato Pantufo, que fica tentando cavar na máquina de lavar roupa, no piso, na parede, para enterrar a caca que ficou fora da caixa. O gato Pantufo provavelmente fica estudando como eu faço na minha caixa - que não é de areia, é de água - para sempre conseguir acomodar o corpo de modo que tudo fique direitinho dentro da caixa. Ou o gato Pantufo deseja secretamente que um dia eu também faça a minha caca fora da minha caixa, para que ele não seja o único a estar sempre errado e eu sempre certa.
Não é fácil ser o gato Pantufo, minha gente.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

a maluca

Às vezes acontece como acontecia quinze, vinte anos atrás. Saio pelas ruas com o meu semblante sério de sempre, os olhos baixos que espiam as coisas de canto, querendo ver sem serem vistos. A roupa composta, a cara composta. Postura. E, por dentro, uma fome vulpina, predadora, queimando as entranhas como pimenta forte. A ânsia de tomar todos os homens que me virem ao encontro, indiscriminadamente. O mendigo, o vizinho, o pai-de-todos, o fura-bolo, mata-piolho! e todos muitos mais. O dono do boteco, o efebo da vendinha, o sujeito de terno que cruza a rua, o velho dirigindo o carro mais velho ainda, o motorista do táxi. Não tem para ninguém, não tem perdão. É uma fome louca essa que queima lá embaixo, como se os grandes - e os pequenos - lábios estivessem salivando e estalando, fazendo 'nham-nham-nham, yummy', e a impressão é que o vazio dali vai sugar o mundo inteiro para dentro de mim e vou explodiiiiiiir e isso será absolutamente fantástico. Penetrada por um mundo inteiro, porque preciso de um mundo dentro de mim para me saciar.

Daí fico vendo as caras e os jeitos desses homens todos que o acaso me colocou no caminho, e pensando no que poderiam eles estar pensando, talvez no jogo do time de futebol mais tarde, nas contas a pagar ou em comprar cebolas para o jantar, e em como seria inusitado que eu me postasse na frente deles, com olhar alucinado e sorrindo, e lhes arrancasse as calças e iniciasse os trabalhos. Seria desvairado e maravilhoso. Quando chego nessa parte, de visualizar a cara de espanto e terror - sim, terror perante a desfaçatez de ser despojado de suas vestimentas por uma mulher maluca sorrindo um sorriso alvar - do incauto ser do sexo masculino, não consigo me controlar e rio alto, sobressaltando as pessoas que passam. Elas instantaneamente recuam e baixam os olhos ao verem meu rosto desfigurado pelo riso louco, os olhos brilhantes e arregalados, e murmuram baixinho para seus conhecidos, "lá vai ela, a maluca".

segunda-feira, 21 de julho de 2008

velha sem saco

Fiquei dias sem conseguir logar aqui. É. Não pergunte, eu também não entendi. Subitamente, out of the blue, consegui entrar. Ficou a sensação de ter esquecido a chave em casa e batido a porta. A diferença é que eu sei arrombar minha própria porta caso esteja fechada só no trinco.

Eu estou ficando velha. No sentido 'velho' do termo. Não só pela passagem do tempo, eu envelheci repentinamente. Já não entendo muito bem os sites e consigo a proeza de ficar trancada fora deles. Tenho um filho jovem que me faz lembrar de quando fui jovem, e parece que foi ontem mas foi há muito tempo. Os meus pais estão cada vez mais velhos e doentes, a ponto de eu agradecer todos os dias por ainda ter pais. Eu sabia português, e eu sabia que sabia, agora me pego súbita no meio da frase desconfiando dela e sem conseguir lembrar se aquilo está correto ou não. Desaprender. Se isso não é velhice, eu não sei o que é.

Não conto nada muito gostoso, então vou contar da coisa gostosa que comi: pizza lombo com catupiri da Sadia. Congelada, baratinha e tão boa, mas tão boa, nem parece uma pizza congelada de supermercado. Parece uma pizza, period. Ou talvez fosse a minha fome.

Por que as pessoas ligam pra fazer telemarketing para mim no meu telefone do trabalho? Que tipo de insânia é essa? Elas devem pensar que eu não trabalho, que vou até o trabalho e fico lá estaqueada como uma espantalha, atendendo um telefonema de telemarketing atrás do outro. Pessoas do marketing, olha, é MUITO contraproducente ligar para fazer telemarketing no telefone do trabalho das pessoas. MUITO MESMO. E isso nem é resmunguice de velha, isso é fato.

Eu estive dia desses (noite dessas) na frente de um lugar onde fui muito infeliz. Passei por ali e it gave me the creeps. Mas por que as coisas são assim? Preciso mesmo ficar atrelada às lembranças infelizes? Não dá para tentar ver o lugar de uma forma diferente? Eu não sei. E acho que esse apego a lembranças infelizes também é coisa de gente velha.

Carreguei um microondas e umas outras coisas aí durante o final de semana. Agora estou com uma dor absurda nas espáduas. Eu me lembro de carregar coisas e ficar faceira e pimpona depois, há menos de dez anos atrás. Isso é ser velha. Isso é velhice supersônica exponencial, que desaba sobre a cabeça da pessoa e ela envelhece instantaneamente. Quase como aquelas sopinhas de saquinho que você põe água quente, mexe e pronto. Uma velhice superinstantânea, com alto teor de sódio.

Eu gostaria de ir para a cama com o Coringa. O Coringa do Heath Ledger. Mas ele provavelmente ia só rir de mim e mais nada.
É triste quando a fantasia erótica da pessoa é ir pra cama com um vilão psicótico de gibi. Mais triste que isso só se eu quisesse pegar o Cauã Reymond (Raymond, Rain Man).

Tem gente que se acha. Ainda me espanto com isso. Mesmo velha e sem saco.
Eu me perdi e não me acho mais em parte alguma. Tem só essa velha sem saco aí no espelho dizendo que sou eu. Fico pensando se é uma piada, como ir para a cama com o Coringa e ele só rir de você e ir embora - você ali, pelada, super a fim de fazer loucuras e o louco himself a renega.

O tuíter, aquele, é uma coisa tão telegráfica. Vivemos num mundo telegráfico. Amores telegráficos, amigos telegráficos, orgasmos telegráficos. Só o trabalho continua extenso. O trabalho, esse sim, é um novelão em vinte tomos, caligrafados por um monge copista.

Eu tenho velhice instantânea, excesso de palavras acumuladas e nenhum saco.