quinta-feira, 24 de julho de 2008

a maluca

Às vezes acontece como acontecia quinze, vinte anos atrás. Saio pelas ruas com o meu semblante sério de sempre, os olhos baixos que espiam as coisas de canto, querendo ver sem serem vistos. A roupa composta, a cara composta. Postura. E, por dentro, uma fome vulpina, predadora, queimando as entranhas como pimenta forte. A ânsia de tomar todos os homens que me virem ao encontro, indiscriminadamente. O mendigo, o vizinho, o pai-de-todos, o fura-bolo, mata-piolho! e todos muitos mais. O dono do boteco, o efebo da vendinha, o sujeito de terno que cruza a rua, o velho dirigindo o carro mais velho ainda, o motorista do táxi. Não tem para ninguém, não tem perdão. É uma fome louca essa que queima lá embaixo, como se os grandes - e os pequenos - lábios estivessem salivando e estalando, fazendo 'nham-nham-nham, yummy', e a impressão é que o vazio dali vai sugar o mundo inteiro para dentro de mim e vou explodiiiiiiir e isso será absolutamente fantástico. Penetrada por um mundo inteiro, porque preciso de um mundo dentro de mim para me saciar.

Daí fico vendo as caras e os jeitos desses homens todos que o acaso me colocou no caminho, e pensando no que poderiam eles estar pensando, talvez no jogo do time de futebol mais tarde, nas contas a pagar ou em comprar cebolas para o jantar, e em como seria inusitado que eu me postasse na frente deles, com olhar alucinado e sorrindo, e lhes arrancasse as calças e iniciasse os trabalhos. Seria desvairado e maravilhoso. Quando chego nessa parte, de visualizar a cara de espanto e terror - sim, terror perante a desfaçatez de ser despojado de suas vestimentas por uma mulher maluca sorrindo um sorriso alvar - do incauto ser do sexo masculino, não consigo me controlar e rio alto, sobressaltando as pessoas que passam. Elas instantaneamente recuam e baixam os olhos ao verem meu rosto desfigurado pelo riso louco, os olhos brilhantes e arregalados, e murmuram baixinho para seus conhecidos, "lá vai ela, a maluca".

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu penso assim, mas é com as mulheres. Eu nem rio, nem nada, só olho quase míope, desejando estar dentro e em volta e contendo aquelas compostas, com postura, na rua, porque no fundo eu sei é mais provável que elas estejam nesse seu estado, do que eles, pensando nas contas e no futebol.

E o coiso diz "uhnth", que é mais ou menos parecido com o grunhido que os lábios dão nessa hora.